[...] Pude pensar como se aprende, o motivo pelo qual se aprende, o que aprender e o que fazer com essa aprendizagem para modificar o espaço de trabalho. Maria Aparecida Dias
A professora Maria Aparecida Dias é a primeira mulher a ocupar o cargo de Chefe de Departamento de Educação Física na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DEF/RN). Graduada em Educação Física pela Universidade Castelo Branco do Rio de Janeiro, é também psicomotricista formada pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Qualificou-se como mestra e doutora no concorrido Programa de Pós-graduação em Educação da UFRN. Na entrevista concedida, em novembro de 2018, à pesquisadora do Observatório de Recursos Humanos da UFRN Thais Paulo, a professora fala sobre a sua experiência de ser a primeira mulher a chefiar o DEF – onde trabalha como docente há dez anos – os desafios enfrentados e as aprendizagens que essa prática tem proporcionado, além de discorrer sobre outras experiências que dialogam com a docência.
Observatório RH: Como a senhora se vê como a primeira mulher chefe do Departamento de Educação Física da UFRN? Maria Aparecida Dias: Para mim foi uma surpresa ter sido indicada. Gosto muito de dar aula e fazer isso junto com a parte administrativa é bem desafiador. Uma das coisas que me fez aceitar foi saber que nos 40 anos de história do Departamento de Educação Física da UFRN, nunca uma mulher tinha ocupado este cargo. Acho que isso é uma forma de enfrentamento, no qual o empoderamento da mulher se faz necessário, em especial na minha área, tradicionalmente masculina. Assim, decidi aceitar tal desafio. A nossa chapa, composta por mim e pelo professor Paulo Dantas, foi única. No entanto, nós nos sentimos bastante legitimados para chefiar o DEF, pois do universo de 33 docentes, tivemos o apoio de 32 docentes e apenas uma abstenção; dos 17 técnicos-administrativos, tivemos o apoio de 16. Em relação aos alunos, tivemos o apoio dos discentes do mestrado em Educação Física e no universo de quase 480 alunos de graduação, a metade do grupo votou conosco, legitimando, assim, nossa candidatura. Foi muito significativo para nós e me mostrou que era o momento certo para ocupar a chefia. Apesar da área da saúde ser composta majoritariamente por mulheres, no departamento de Educação Física somos apenas dez professoras em um universo de 33 professores.
Observatório RH: A senhora teve seu nome escolhido para o Centro Acadêmico de Educação Física, no ano de 2014? Poderia nos falar um pouco sobre essa homenagem? Maria Aparecida Dias: Eu já tive alguns momentos ao longo da minha vida como docente que foram muito significativos, mas ter um centro acadêmico com o meu nome foi um dos momentos mais importantes da minha carreira. Sou docente desde os 17 anos de idade, não iniciando no ensino superior, obviamente, mas são 40 anos dando aula. Ter o apoio dos alunos é fundamental para mim. Penso que um chefe de departamento de uma universidade tem que compreender que, por mais que no organograma da instituição suas funções sejam mais voltadas para os docentes, ter os alunos ao seu lado é determinante para se realizar um bom trabalho acadêmico. Este é o nosso grande objetivo: trabalhar para os alunos. Sem os alunos não existiria a universidade! Então, saber que posso contar com eles, discordar de alguns pontos, aprender com eles e eles aprenderem com as minhas experiências, é essencial para mim. Fico muito feliz de ter essa história na minha vida e saber que estamos contribuindo com a formação dessas pessoas e aprendendo com elas. Aprendo muito e sempre com os meus alunos.
Observatório RH: O trabalho desenvolvido pela senhora enquanto chefe do Departamento de Educação Física, ao longo deste primeiro ano é marcado por vários eventos acadêmicos e não apenas atividades administrativas. Como tem sido este ano de trabalho e suas articulações com professores e alunos? Maria Aparecida Dias: Algumas gestões anteriores já trouxeram esse olhar acadêmico para a chefia de departamento, marcado por uma tendência histórica de ser apenas administrativo. Isso está mudando em toda a universidade, inclusive com o respaldo de um curso que a UFRN oferece aos seus gestores. Nesse curso é pontuada a necessidade das chefias de departamento possuírem um viés acadêmico, pensando em nossas reuniões de plenária, discussões que possam ser exitosas para que o corpo docente cresça, considerando os aspectos pedagógicos da ação docente e que isso influencie diretamente na formação dos nossos alunos. Esse é um foco que começou a ser desenvolvido aqui na Educação Física por alguns chefes de departamento que me antecederam. Portanto, nossa função é dar continuidade e ampliar cada vez mais o olhar acadêmico. O grande papel da Educação Física é a sua relação com a sociedade. Os profissionais dessa área do conhecimento visam à formação do homem capaz de se orientar plenamente em suas atividades, tendo o Corpo em movimento como princípio. Essa realidade pode ser alcançada através de ações na Saúde, na Escola e no Lazer, tendo como foco da criança à pessoa idosa.
Observatório RH: O V Colóquio Internacional Corpo e Cultura de Movimento contou com a presença dos professores Jacques Gleyse e Eric Perera, ambos da Universidade de Montpellier, e do professor Bernard Andrieu, da Universidade Paris Descartes. Quais os resultados dessas articulações internacionais? Maria Aparecida Dias: O colóquio foi organizado pelo grupo Estesia, coordenado pela professora Terezinha Petrúcia da Nóbrega e acontece, periodicamente, em Natal e em Montpellier. Esse evento é resultado de uma parceria de Departamento de Educação Física da UFRN com a Universidade de Montpellier. Nos últimos dois anos, iniciou-se também uma parceria com a Universidade Paris Descartes. Observo que o Grupo de Pesquisa Corpo Cultura de Movimento, o Gepec, coordenado pelo professor José Pereira de Melo e que já existe há 12 anos no DEF teve grande participação nos debates. Esse evento foi muito significativo, foi uma reunião mais ampliada sobre corpo. O olhar sobre o corpo dialogou com várias perspectivas epistemológicas, pois nós não trabalhamos focando apenas a Educação Física. Nós tivemos aqui psicanalistas de outras universidades brasileiras, colegas que estudam a fenomenologia da percepção (estudos de Merleau-Ponty), entre outros. Nossas parcerias têm sido feitas em âmbitos nacional e internacional, como se pede hoje em todas as propostas das universidades. Entendemos que o diálogo acadêmico, seja ele da ordem local, seja da ordem nacional, seja da ordem internacional, fortalece a universidade pública gratuita e de qualidade que desejamos. Isso temos feito cotidianamente e não apenas por estarmos na chefia, contudo, neste último ano, conseguimos ter um fôlego ainda maior para buscar ampliar a competência acadêmica do nosso departamento, sempre contando com a parceria dos professores, técnicos e alunos.
Observatório RH: Seus temas de estudo envolvem Corpo e Corporeidade, ainda tratados como tabu. Como tem sido articular esses temas com os trabalhadores do Sistema Único de Saúde? Maria Aparecida Dias: Nós tivemos uma experiência muito significativa com trabalhadores do SUS. Fiz parte de uma pesquisa coordenada pela professora do Isabel Mendes, na Unidade de Saúde da Família de Nazaré e a minha contribuição era fazer práticas corporais com os trabalhadores do SUS. Nós íamos até essa unidade e conversávamos sobre corpo. Que corpo é esse? O conceito de corpo que trabalho é do Corpo-Sujeito. É o corpo que tem história, que tem experiência, sejam elas exitosas, sejam elas não exitosas. Obviamente, quanto mais nos conhecemos enquanto corpo-sujeito, melhor nos reconhecemos e melhor nos posicionamos diante do universo ao qual pertencemos. A gente tem trabalhado isso e essa experiência foi muito interessante porque naquele local as pessoas afirmavam: "a gente sente falta disso"; ouvi relatos que diziam: "não sabia que meu corpo fazia isso que estou fazendo" ou "não sabia que meu corpo fazia tal coisa porque lá na infância não fui possibilitado a isso". Então, são essas marcas corporais que estão sinalizando o tempo todo para nós algumas coisas que não conseguimos compreender muitas vezes. O conceito Corpo-Sujeito remete a uma ideia de um corpo no qual a aprendizagem acontece. O corpo é o espaço da aprendizagem, não importa que se trate de um corpo do adulto, da pessoa idosa, da criança. É um corpo que tem história, que tem suas marcas e essas marcas estarão sinalizando e materializando quem somos em qualquer espaço que nós estejamos, seja na hora de estudar, seja na hora de trabalhar, seja nas relações interpessoais. Então, essa é a forma que a gente vem pensando o corpo na corporeidade. Isso tem sido interessante, porque a gente tem visto várias maneiras de estar pensando essa atuação.
Observatório RH: A senhora mencionou que atua como professora desde os 17 anos, com uma longa trajetória na Educação. Atualmente, a senhora é coordenadora pedagógica do Curso de Especialização em Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, na região Sudeste do país. Como tem sido vivenciar este suporte pedagógico para os trabalhadores que estão atuando na gestão do SUS? Maria Aparecida Dias: Acho que em minha experiência na Educação, no ensino básico, no ensino superior e na formação de professores, tanto no ensino presencial como no ensino a distância, é muito significativa, mas ter conhecido em 2014 esse recorte de sujeitos que são os trabalhadores do SUS foi de grande encantamento. Quando fui convidada para trabalhar com o Grupo do Observatório de Recursos Humanos da UFRN, coordenado pela professora Janete Castro, nos cursos das regiões Centro-Oeste e Norte e, atualmente, nas regiões Sudeste e Sul, pude estabelecer um diálogo com o conhecimento pedagógico que tenho sobre a aprendizagem e o trabalho. Pude pensar como se aprende, o motivo pelo qual se aprende, o que aprender e o que fazer com essa aprendizagem para modificar o espaço de trabalho. Posso afirmar que tenho aprendido muito com essa experiência, não somente com os alunos/trabalhadores que estão fazendo a especialização, como também com a coordenação geral, bolsistas e tutores que fazem parte da grande engrenagem que é a Especialização em Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Meus anos de docência me mostram isso. Se você me perguntar o que aprendi em meus 40 anos de docência, eu responderia que aprendi a ter paciência pedagógica. Confesso que ter paciência pedagógica é um exercício diário pois requer atenção e muita atitude solidária diante do outro, tendo cuidado para que atitude solidária não se confunda com protecionismo. É uma linha tênue e o tempo todo devemos ter atenção. Os alunos/trabalhadores envolvidos nesta especialização têm me mostrado que é necessário ter força e desejo de mudança, pois apesar da grande carga de trabalho que é exigida deles, visam o bem-estar das pessoas que procuram os serviços de saúde, trabalhando em prol de uma gestão séria, competente e de qualidade. Quem não conhece o SUS, quem não conhece essa história, emite opiniões equivocadas sobre o Sistema por desconhecer o que ele representa. Então, só tenho a agradecer por conhecer uma realidade que eu não conhecia e de poder estar contribuindo no aspecto educacional para que a realidade se torne cada vez mais comprometida com a missão social que é inerente ao SUS.