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[...] Eu considero que um dos desafios para os próximos dez anos é ter uma política de pessoal para o SUS completamente diferente do que a que existiu até agora. Gastão Wagner

Entrevista

Gastão Wagner | Presidente da Abrasco

Gastão Wagner é professor titular da Universidade Estadual de Campinas, membro de corpo editorial das revistas “Trabalho, Educação e Saúde” e “Ciência & Saúde Coletiva”. É atualmente Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Em entrevista concedida, em maio de 2017, à aluna de pós-graduação em Educação Profissional pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte e integrante do Observatório RH-UFRN, Thais Paulo, o professor Gastão fala sobre a importância da Política de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.

Observatório RH: Como o senhor avalia a importância das políticas de gestão de pessoas para o fortalecimento da gestão do Sistema Único? Gastão Wagner: Considero que um dos obstáculos estruturais para a consolidação e desenvolvimento do SUS é uma política social muito ruim, muito inadequada. No período Neoliberalismo a política de pessoal tem sido muito desvalorizada. Eu considero que um dos desafios para os próximos dez anos é ter uma política de pessoal para o SUS completamente diferente do que a que existiu até agora. Defendo que a gente deveria ter políticas nacionais, não por profissão ou por áreas temáticas. Eu acho que deveríamos ter uma política comum a todos os municípios e estados, uma coisa tripartite. Temos que mudar radicalmente essa forma de fazer gestão por gambiarras e improvisação no SUS.

Observatório RH: O senhor ressalta em seus artigos que a qualidade dos serviços de saúde está entrelaçada com a questão da valorização dos trabalhadores. Como o senhor avalia o papel da educação nessa relação? Gastão Wagner: Eu acho fundamental. Tanto a formação na graduação quanto as várias estratégias de pós-graduação ligadas aos serviços, como por exemplo, as residências médica e multiprofissional e o mestrado profissional. A educação permanente também é fundamental, mas ela tem que atender às dimensões técnica, ética e política, e inclusive promover a habilidade de lidar com afetos e com o poder.

Observatório RH: Como o senhor avalia a alta rotatividade de gestores nos serviços públicos de saúde no Brasil e qual é o seu impacto para o fortalecimento da nossa política de saúde? Gastão Wagner: Eu tenho feito a crítica de que o SUS depende muito dos poderes executivo municipal, estadual e federal. Todos os cargos de gestão no Brasil são de confiança, ao contrário de outros países que tem os sistemas nacionais, como Portugal e Espanha, onde o preenchimento dos cargos se dá mediante seleção interna, com critérios técnicos e políticos e com definição de mandato. Eu acho que a nossa cultura do clientelismo é prejudicial ao SUS, ela explica, em minha opinião, a baixa sustentabilidade dos programas, projetos e políticas.

Observatório RH: Quais características dos serviços de saúde deveriam ser fortalecidas com vistas a um SUS melhor? Gastão Wagner: O pessoal e o trabalho em saúde são fundamentais. A gente não vai ter saúde de qualidade sem pessoal. A incorporação tecnológica na saúde também é importante na saúde, todavia, quem vai lidar com a tecnologia e quem produz a tecnologia são as pessoas, portanto, voltamos ao que falei antes, essas pessoas devem ter na sua formação as dimensões técnica, ética e política. Precisamos também de outra postura dos profissionais, mais próxima ao usuário, mais aberta ao contraditório, para respeitar a cultura dos outros. A gente tem muitos especialistas na área da saúde, temos quase 20 profissões de saúde e dentro de cada profissão uma quantidade de interesses distintos, de especialidades diferentes. Outra característica que destaco é a complexidade do trabalho realizado. O setor Saúde tem uma gestão complexa. Eu acho que a gente precisa, para manter o caráter público da saúde, fazer uma reforma no modelo de gestão, na lei de licitação e na política de pessoal, considerando as especificidades da Saúde.

Observatório RH: Uma das estratégias poderia ser a ampliação da gestão participativa e democrática? Gastão Wagner: Sim. Foi bom você ter me lembrado desse ponto importante. Defendo que a prática clínica, a preventiva e a macrogestão precisam ser feitas de forma participativa e interativa. Cada profissional tem que fazer o projeto terapêutico interativo com o usuário, as unidades básicas precisam ser avaliadas e ser controladas pela população que vive naquela região, que utiliza aquele serviço. Eu acho isso muito importante.