Rede ObservaRH - Observatório RH da UFRN

[...] O debate da formação interprofissional ressalta que é preciso oferecer um aprendizado compartilhado e interativo entre estudantes dos diferentes cursos. Ou seja, estudantes de diferentes áreas podem e devem aprender entre si. Marina Peduzzi

Entrevista

Marina Peduzzi | Coordenadora da Estação de Trabalho Núcleo de Estudos e Pesquisa em Recursos Humanos em Saúde da EEUSP da Rede ObservaRH.

Marina Peduzzi é professora da Universidade de São Paulo, líder do Grupo de Pesquisa “Gestão e Educação em Saúde e Enfermagem na Perspectiva Colaborativa Interprofissional” e Coordenadora da Estação de Trabalho “Núcleo de Estudos e Pesquisa em Recursos Humanos em Saúde da EEUSP” da Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde e Ministério da Saúd do Brasil. Nesta entrevista concedida, em maio de 2017, durante o Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, à aluna de pós-graduação em Educação Profissional pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte e integrante do Observatório RH-UFRN, Thais Paulo, a professora Peduzzi fala dos desafios que se apresentam para a Gestão do Trabalho e para o trabalho em equipe diante da nova conjuntura política.

Observatório RH: O que a senhora acha da iniciativa de realização deste 1º Simpósio Internacional Trabalho e Educação na Saúde que acontece dentro do Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco? Marina Peduzzi: Acho fantástico. Estou muito feliz de ter a oportunidade de estar aqui. Eu acho que o campo da saúde coletiva tem a área de política, planejamento e gestão que abriga o campo da gestão do trabalho, mas como a gente viu hoje há uma complexidade e uma particularidade do que diz respeito a gestão do trabalho e educação e formação na saúde que merece ser feito um simpósio a cada dois anos ou anual se possível. Estou muito feliz de estar aqui. Está ótimo, a programação está ótima tanto que o público realmente respondeu.

Observatório RH: O processo de regionalização vem sendo apontado como estratégia para o rompimento da fragmentação dos serviços de saúde, como a senhora avalia os impactos desse processo para a área da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde? Marina Peduzzi: Acho que neste momento essa é uma questão fundamental. Existe um SUS Brasil mas nós precisamos pensar as regiões. Já existe todo um processo, não vamos começar agora, mas discutir a gestão do trabalho e a formação dos profissionais também na perspectiva das regiões é também muito importante, acho, considerando as características peculiares de cada região. O problema é que vai ser necessário construir uma série de normas, de regras, para fazer com que as coisas funcionem no plano da região, porque as normativas que existem se dão nos municípios, nos estados ou no nível federal. Acho que é preciso incrementar mais mecanismos para que as regiões possam pensar a gestão do trabalho e a formação dos profissionais no nível da região. Esse é um desafio. Eu acho que daqui pra frente um ponto fundamental para a agenda do SUS é pensar uma organização por regiões de saúde.

Observatório RH: Além da fragmentação dos serviços, vivenciamos a fragmentação da formação dos profissionais de saúde, de que maneira essa fragmentação reflete na garantia do direito à saúde dos usuários? Marina Peduzzi: A fragmentação da formação é maior do que a das práticas, porque nas práticas, a presença do usuário, das famílias e das necessidades de saúde fez com que o serviço trabalhasse em uma perspectiva um pouco mais integrada e articulada. Na atenção básica, a diretriz do trabalho em equipe está muito presente, é muito forte e os profissionais avançaram. Na formação, ainda embora se defenda que a atenção à saúde e a educação são interdependentes e que devem estar ligadas, ainda há uma distância muito grande e a universidade está muito distante dos serviços de saúde. Portanto, como disse, acho que a formação é mais fragmentada do que as práticas. Acho que o tema da interprofissionalidade ajuda a pensar esta questão. Há muito tempo se discute a interdisciplinalidade, a necessidade de articular as áreas de conhecimento na formação dos profissionais, mas é preciso preparar os profissionais para terem uma prática mais integrada quando eles se formam. Isso tem que iniciar na graduação, na formação inicial. O debate da formação interprofissional ressalta que é preciso oferecer um aprendizado compartilhado e interativo entre estudantes dos diferentes cursos. Ou seja, estudantes de diferentes áreas podem e devem aprender entre si. A convivência e o aprendizado interativo permitem que os alunos se formem já reconhecendo o que há nas outras profissões e aprendam a trabalhar de forma colaborativa, assim, os estudantes vão chegar ao mercado de trabalho mais preparados para o trabalho colaborativo e integrado. Então, acho que o debate da educação interprofissional pode ajudar a superar a fragmentação existente na formação.

Observatório RH: Quais os desafios para o Sistema Único de Saúde frente as atuais modificações dos direitos trabalhistas? De que maneira as alterações que vem sendo feitas afetam nossas políticas de saúde? Marina Peduzzi: Afeta muito diretamente. Nas últimas décadas temos um grande debate e enfrentamento da terceirização e precarização do trabalho no SUS, creio que a aprovação da terceirização ampla e total, para atividades fins e atividades-meio vai trazer enormes desafios e consequências para o SUS. Acho que o impacto, sobretudo da reforma trabalhista e da aprovação da terceirização, será enorme para a gestão do trabalho. Acho que nós precisaremos debater muito e ter que ter uma ação coordenada entre nós, uma ação coletiva, para pensar e responder os desafios colocados que vão, inclusive, aumentar a fragmentação. Nós estamos, hoje, fazendo uma discussão sobre como superar a fragmentação do trabalho, e se a proposta de terceirização ampla for efetivada, a fragmentação do trabalho será fortalecida, portanto, os desafios para o trabalho em equipe serão imensos.

Observatório RH: Frente a uma sociedade com interesses cada vez mais voltados aos interesses do capital, quais os desafios das universidades, dos espaços de formação, na luta pela concretização dos direitos à saúde? Marina Peduzzi: Acho que as universidades públicas, sobretudo, têm uma atuação muito articulada com o SUS. É fantástico o que conseguimos produzir nos últimos 30 anos: o reconhecimento da saúde como direito, todo o debate que se fez no campo da saúde coletiva com a ampliação da concepção de saúde e o reconhecimento amplo, contextualizado das necessidades de saúde, foi um grande avanço. Atualmente, os desafios são enormes, os interesses do capital estão entrando cada vez mais nas universidades. As universidades estão sendo chamadas a se integrar com o setor privado, cada vez mais. A questão é como é que a gente consegue articular, fazer uma integração maior das universidades com o setor privado, que já existe, e preservar os interesses públicos. Os interesses do capital e do setor privado são muito divergentes da defesa do direito à saúde e da concepção ampliada de saúde. Acho que os embates serão enormes e neste momento nós estamos muito fragilizados. Acho, inclusive, que este congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde acontece em um momento importante, pois devemos nos unir realmente para encontrar respostas. Os desafios são enormes. Se a universidade está sendo chamada para trabalhar de forma articulada com o setor privado, respondendo as demandas do setor privado, quem vai responder as demandas e a concepção da saúde como um bem público que interessa aos duzentos e cinco milhões de brasileiros? Os desafios são muito grandes e vamos ter que trabalhar juntos para dar respostas a isso.